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Depois de um treino leve na manhã de sexta-feira, o técnico da Argentina, Sergio Hernández, parecia tenso, talvez pelo clima festivo que se instalou à beira da quadra com Drew Gooden e Keith Bogans, que vão participar do Basketball Show no domingo. Hernández leva a sério esse negócio de treino. E o clima se anunciou ainda mais tenso quando o treinador deixou a quadra, virou-se para mim e disse: "No hablo con periodistas brasileños". Mas a frase era só uma brincadeira, e ele logo se entregou com um sorriso e um aperto de mão, que precederam um papo agradável e, acima de tudo, didático. Aos 46 anos, o homem que levou a Argentina ao bronze em Pequim falou sobre o longo caminho das pedras que tirou a seleção do buraco e a levou à elite do basquete mundial. Vale ler, refletir e aprender com ele.
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- SERGIO HERNÁNDEZ - Assim como o Brasil, a Argentina sempre teve bons jogadores. São dois países que historicamente produzem bons nomes, mas não tínhamos uma organização muito boa no nosso país até 25 anos atrás, quando começou a Liga Nacional, com uma boa estrutura. Isso fez o basquete argentino ter um crescimento muito forte. O que também não tínhamos era experiência internacional. Mas aí veio o êxodo para outros centros, e isso aconteceu no momento exato. Porque não é bom quando eles saem muito jovens. Ginóbili, Nocioni, Oberto, Pepe Sanchez, Hermann, todos jogaram primeiro na Liga Nacional, três ou quatro anos, e depois foram para a Europa. Começaram a entender que o basquete argentino era lindo, mas faltava algo para competir com os melhores. Faltava disciplina, sentido de jogo coletivo. Há 15 anos, nossos jogadores tinham em seus quartos pôsteres de Bodiroga [Dejan Bodiroga, ex-jogador iugoslavo]. Depois começaram a jogar com Bodiroga, contra Bodiroga, e passaram a ganhar de Bodiroga. Com isso eles ficam muito melhores e, quando voltam à seleção, exercem todo o seu conhecimento. Além disso, a Argentina sempre tem um caráter muito forte, uma personalidade muito forte. Mesmo com poucos habitantes [40 milhões] e sem uma grande estrutura, nossos esportes coletivo sempre se destacam pela personalidade, pelo caráter e pela solidariedade. Foi assim que o nosso basquete conseguiu, há cerca de 10 anos, uma identidade, uma filosofia.
E se essa filosofia é respeitada por Manu Ginóbili, por Nocioni, por Montecchia, como é que os outros atletas não vão respeitá-la?
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- Sim, sim. O brasileiro é muito autêntico e não tem problema em dizer "nós somos melhores nisso, vocês são melhores naquilo". O Brasil tem mais potencial, jogadores melhores atleticamente, mas a Argentina joga melhor no coletivo. Os próprios jogadores admitem isso. Sabemos que os brasileiros têm muita admiração pelo nosso basquete, mas nós também invejamos a quantidade de atletas que vocês têm com o biotipo ideal para praticar este esporte.
- O maior astro do seu time para a Copa América é o Luis Scola, um jogador que tem muitas semelhanças com o nosso pivô Tiago Splitter. Primeiro, porque jogaram juntos e se admiram. Segundo, porque sempre atendem às convocações da seleção. Fale um pouco sobre esses dois atletas.
- [Neste exato momento, Scola sai do túnel que dá acesso ao vestiário e passa por nós. Sergio aponta para ele e abre um sorriso] Eles são muito amigos. Luis tem uma admiração e um carinho muito grande por Tiago, e vice-versa. Isso é o mais importante. São dois grandes exemplos. Não apenas porque sempre estão na seleção, mas porque sempre chegam com o pensamento positivo. Não adianta estar sempre e pensar apenas nele, não pensar na equipe. Tiago é um jogador com corpo brasileiro e mentalidade internacional. Tem grande formação no basquete.
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- É muito difícil. Se a situação dele não estiver solucionada
no domingo, quando voltarmos
à Argentina, ele não jogará.
- Isso significa que você terá de usar mais um substituto no time titular. E falando nisso, nós sempre cogitamos como vai ser a seleção argentina quando a geração atual sair de cena.
O que podemos esperar dos jovens jogadores que vão ocupar naturalmente o lugar de Ginóbili, Nocioni, Oberto & Cia?
- Fala-se muito sobre isso na Argentina. É difícil dizer ao torcedor que já existe outro Ginóbili, porque não é assim que funciona. Precisamos ter paciência e, a cada ano, mudar aos poucos. Ganhamos a medalha de ouro em Atenas e o bronze em Pequim com vários jogadores diferentes entre essas duas equipes. O Brasil já teve seu momento com Oscar, Marcel, Carioquinha, todos juntos, assim como Ronaldo, Rivaldo, Bebeto e outros no futebol. Mas nem sempre acontece assim. É preciso aproveitar esses momentos e trabalhar sempre para as próximas gerações.
7 comentários:
O Sergio Hernandez destaca o sucesso da Liga Nacional Argentina há 25 anos. Será que a NBB dura bastante tempo mesmo se os resultados internacionais demorarem a aparecer?
Ótima entrevista, Rodrigo!!
Abraços!
excelente entrevista!
que aula!
abs, fábio.
Ótima entrevista Rodrigo, parabéns! Para mim, a parte que ele fala do Bodiroga é a mais especial. É outra mentalidade mesmo, deve ser um técnico especial! Abs
So li hoje.
Excelente!!!
Temos que ir na Argentina sempre.
Estudar, estudar e aplicar aqui, dentro do nosso contexto !
eu também só li hoje. parabéns pela entrevista.
Otima entrevista como sempre rodrigo !!! e que sirva de lição e aprendizado, poucas palavras porem muitos sabias essas do tecnico da Argentina..
Grande Abraço a todos ..............
Seno Brasil tivesse metade da organização deles no basquete... Estávemos feitos!
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