sexta-feira, 7 de agosto de 2009

AS LIÇÕES DE SERGIO HERNÁNDEZ






Depois de um treino leve na manhã de sexta-feira, o técnico da Argentina, Sergio Hernández, parecia tenso, talvez pelo clima festivo que se instalou à beira da quadra com Drew Gooden e Keith Bogans, que vão participar do Basketball Show no domingo. Hernández leva a sério esse negócio de treino. E o clima se anunciou ainda mais tenso quando o treinador deixou a quadra, virou-se para mim e disse: "No hablo con periodistas brasileños". Mas a frase era só uma brincadeira, e ele logo se entregou com um sorriso e um aperto de mão, que precederam um papo agradável e, acima de tudo, didático. Aos 46 anos, o homem que levou a Argentina ao bronze em Pequim falou sobre o longo caminho das pedras que tirou a seleção do buraco e a levou à elite do basquete mundial. Vale ler, refletir e aprender com ele.

- REBOTE - A Argentina já passou por um período difícil, quando ficou muito tempo sem participar das Olimpíadas. Veio uma geração muito boa de jogadores, mas junto com isso veio também um trabalho para criar uma filosofia, um sistema de jogo coletivo. Hoje você não tem Ginóbili, Delfino, Nocioni, Oberto, mas nós sempre vemos a Argentina jogando da mesma forma, com um basquete solidário. Quanto tempo leva para se implantar essa filosofia que permite a você manter o padrão de jogo mesmo sem as grandes estrelas?
- SERGIO HERNÁNDEZ - Assim como o Brasil, a Argentina sempre teve bons jogadores. São dois países que historicamente produzem bons nomes, mas não tínhamos uma organização muito boa no nosso país até 25 anos atrás, quando começou a Liga Nacional, com uma boa estrutura. Isso fez o basquete argentino ter um crescimento muito forte. O que também não tínhamos era experiência internacional. Mas aí veio o êxodo para outros centros, e isso aconteceu no momento exato. Porque não é bom quando eles saem muito jovens. Ginóbili, Nocioni, Oberto, Pepe Sanchez, Hermann, todos jogaram primeiro na Liga Nacional, três ou quatro anos, e depois foram para a Europa. Começaram a entender que o basquete argentino era lindo, mas faltava algo para competir com os melhores. Faltava disciplina, sentido de jogo coletivo. Há 15 anos, nossos jogadores tinham em seus quartos pôsteres de Bodiroga [Dejan Bodiroga, ex-jogador iugoslavo]. Depois começaram a jogar com Bodiroga, contra Bodiroga, e passaram a ganhar de Bodiroga. Com isso eles ficam muito melhores e, quando voltam à seleção, exercem todo o seu conhecimento. Além disso, a Argentina sempre tem um caráter muito forte, uma personalidade muito forte. Mesmo com poucos habitantes [40 milhões] e sem uma grande estrutura, nossos esportes coletivo sempre se destacam pela personalidade, pelo caráter e pela solidariedade. Foi assim que o nosso basquete conseguiu, há cerca de 10 anos, uma identidade, uma filosofia.
E se essa filosofia é respeitada por Manu Ginóbili, por Nocioni, por Montecchia, como é que os outros atletas não vão respeitá-la?

- Brasil e Argentina têm uma rivalidade muito grande no esporte, mas os brasileiros em geral admiram muito o basquete de vocês e o têm como modelo. Vocês têm consciência disso?
- Sim, sim. O brasileiro é muito autêntico e não tem problema em dizer "nós somos melhores nisso, vocês são melhores naquilo". O Brasil tem mais potencial, jogadores melhores atleticamente, mas a Argentina joga melhor no coletivo. Os próprios jogadores admitem isso. Sabemos que os brasileiros têm muita admiração pelo nosso basquete, mas nós também invejamos a quantidade de atletas que vocês têm com o biotipo ideal para praticar este esporte.

- O maior astro do seu time para a Copa América é o Luis Scola, um jogador que tem muitas semelhanças com o nosso pivô Tiago Splitter. Primeiro, porque jogaram juntos e se admiram. Segundo, porque sempre atendem às convocações da seleção. Fale um pouco sobre esses dois atletas.
- [Neste exato momento, Scola sai do túnel que dá acesso ao vestiário e passa por nós. Sergio aponta para ele e abre um sorriso] Eles são muito amigos. Luis tem uma admiração e um carinho muito grande por Tiago, e vice-versa. Isso é o mais importante. São dois grandes exemplos. Não apenas porque sempre estão na seleção, mas porque sempre chegam com o pensamento positivo. Não adianta estar sempre e pensar apenas nele, não pensar na equipe. Tiago é um jogador com corpo brasileiro e mentalidade internacional. Tem grande formação no basquete.

- O armador Pablo Prigioni (foto ao lado) ainda não se apresentou. Você ainda tem esperanças de contar com ele para jogar a Copa América?
- É muito difícil. Se a situação dele não estiver solucionada
no domingo, quando voltarmos
à Argentina, ele não jogará.

- Isso significa que você terá de usar mais um substituto no time titular. E falando nisso, nós sempre cogitamos como vai ser a seleção argentina quando a geração atual sair de cena.
O que podemos esperar dos jovens jogadores que vão ocupar naturalmente o lugar de Ginóbili, Nocioni, Oberto & Cia?

- Fala-se muito sobre isso na Argentina. É difícil dizer ao torcedor que já existe outro Ginóbili, porque não é assim que funciona. Precisamos ter paciência e, a cada ano, mudar aos poucos. Ganhamos a medalha de ouro em Atenas e o bronze em Pequim com vários jogadores diferentes entre essas duas equipes. O Brasil já teve seu momento com Oscar, Marcel, Carioquinha, todos juntos, assim como Ronaldo, Rivaldo, Bebeto e outros no futebol. Mas nem sempre acontece assim. É preciso aproveitar esses momentos e trabalhar sempre para as próximas gerações.

7 comentários:

Denis disse...

O Sergio Hernandez destaca o sucesso da Liga Nacional Argentina há 25 anos. Será que a NBB dura bastante tempo mesmo se os resultados internacionais demorarem a aparecer?

Ótima entrevista, Rodrigo!!
Abraços!

fábio balassiano disse...

excelente entrevista!
que aula!
abs, fábio.

Duda 11 disse...

Ótima entrevista Rodrigo, parabéns! Para mim, a parte que ele fala do Bodiroga é a mais especial. É outra mentalidade mesmo, deve ser um técnico especial! Abs

Anônimo disse...

So li hoje.

Excelente!!!

Temos que ir na Argentina sempre.

Estudar, estudar e aplicar aqui, dentro do nosso contexto !

peter schiling disse...

eu também só li hoje. parabéns pela entrevista.

Unknown disse...

Otima entrevista como sempre rodrigo !!! e que sirva de lição e aprendizado, poucas palavras porem muitos sabias essas do tecnico da Argentina..
Grande Abraço a todos ..............

Cassiano disse...

Seno Brasil tivesse metade da organização deles no basquete... Estávemos feitos!