

Do calor de Coelho Neto, bairro pobre na Zona Norte do Rio, à neve da cidade de Topeka, no Kansas, a pivô carioca Renata Germano precisou correr um bocado. Literalmente. Há três anos, quando desembarcou nos Estados Unidos sem falar nada de inglês, ela aprendeu, logo no primeiro treino físico,
o significado da palavra "Go". Era o que gritava, alucinado,
o treinador do junior college, fazendo a brasileira correr feito uma louca durante duas horas.
"Eu já estava chorando", conta ao Rebote a atleta, hoje com 21 anos. "Não entendia nada, só Go! Go! Go!. Quando acabou o treino, fiquei um tempão deitada no vestiário, não conseguia
me mexer. Liguei para o meu pai e disse que queria voltar".
Renata não voltou. Mas, farta daquela correria, mudou-se no ano seguinte para Washburn, no Kansas, onde hoje defende as Lady Blues na Divisão II da NCAA. Na semana passada, a equipe acabou eliminada nas quartas-de-final, após forçar duas prorrogações contra a forte South Dakota – no curto período em que esteve em quadra, a brasileira produziu bem e converteu duas cestas seguidas, uma delas com falta.>>> "Aqui você vê o que é racismo. Comigo nunca aconteceu nada, mas você percebe a divisão entre white
e black. E eles realmente acreditam que precisam dominar o mundo"
Para entender a trajetória da pivô, é preciso voltar uma década no tempo, quando seu Rinaldo Germano, que trabalhava como gari, aceitou a sugestão de um amigo e levou a filha para jogar basquete no Flamengo. Dali, Renata foi para o Grajaú, com Guilherme Vos, hoje técnico da Mangueira - tratado por ela como se fosse um pai. Chamou a atenção de Americana, no interior de São Paulo, mas só se transferiu na segunda tentativa, porque
na primeira o time queria que ela pagasse os livros da escola.
"A situação sempre foi difícil. Nossa, quantas vezes eu já tive que dormir na casa dos meus técnicos porque não tinha dinheiro para a passagem...", lembra a jogadora, que saiu do interior paulista em julho de 2005, descoberta por um olheiro americano que a levou para Southern Illinois - do tal técnico que berrava "Go".A experiência nos EUA rendeu muitos frutos a Renata, a começar pelo namorado jamaicano com quem ela pensa em se casar e morar no Canadá, "que tem muitas opções de emprego".
Quando ela fala em emprego, não se refere ao basquete, mas sim à Enfermagem – ou Nursing, como prefere falar, toda chique. "Jogar era minha primeira opção, mas agora penso nos meus estudos e pretendo começar a trabalhar", revela a pivô, que deve ter o diploma na mão daqui a dois anos.Continuar ou não no esporte profissional soa como uma questão menor. O que importa é que, através do basquete, Renata cresceu como pessoa. A ponto de falar com desenvoltura sobre questões sociais e até políticas nos Estados Unidos.
"Não é qualquer pessoa que pode se educar fora do Brasil. Eu tive essa oportunidadee estou aproveitando ao máximo", conta, sem ignorar as mazelas americanas. "Aqui você vê o que é o racismo. Comigo nunca aconteceu nada, mas você percebe uma divisão entre white e black. E eles realmente acreditam que são os melhores e precisam dominar o mundo.
É por isso que acontece tanta coisa ruim aqui. Se tivéssemos um governo melhor no Brasil, ganharíamos de qualquer um. Mas os próprios brasileiros roubam do povo. Assim nunca vamos para frente", ensina.
Por essas e outras, ela não sabe quando volta, mas sabe bem que, à distância, conta com o apoio e o orgulho dos pais. "Eles ficam felizes porque sabem que eu continuo lutando. Sei de onde vim e não me esqueço de ninguém. Sem eles, não estaria onde estou hoje. Às vezes, dá uma saudade... mas ainda não está
na hora de voltar para casa". Sem problemas, Renata. Go!




























