FIM DO SILÊNCIO DE LULA FERREIRA

Para não colocar mais fogo no barril de pólvora chamado basquete brasileiro, Lula Ferreira teve atitude digna: decidiu se ausentar, tirar umas férias e evitar polêmicas. Um mês e meio após o péssimo quarto lugar em Las Vegas, ele recebeu o convite por telefone do Rebote e falou pela primeira vez sobre tudo o que houve antes, durante e depois do Pré-Olímpico. E tudo é tudo mesmo: Marquinhos, comentaristas, Nezinho, liberdade para os jogadores, Nenê, tempo de preparação e futuro na carreira.

REBOTE - O Pré-Olímpico acabou no dia 2 de setembro. Por que só agora você aceita falar sobre a competição?
LULA FERREIRA - Pode parecer tolo, mas não quis falar porque a seleção, ao meu ver, está acima de tudo. De mim, dos jogadores, da CBB, de todos. Tive a oportunidade de atingir um objetivo e não consegui. Paciência. Por isso saí do circuito, para não aumentar ainda mais a crise da modalidade.

>>> "Todos viram que aquilo foi individualismo puro, advogado de causa própria" (sobre Marquinhos)

- Você se considera refém da situação? A crise é muito maior do que a classificação ou não em uma competição, certo?
- Cara, a palavra refém é muito forte, mas acho que crucificar uma pessoa pelo trabalho de uma modalidade inteira é pesado. Fui refém, sim, do pouco tempo de treinos que tive. Uma semana não dá, é impossível arrumar um time, todos sabem disso.

- As críticas, pelo visto, te entristeceram...
- Vou ser sincero: ouço tudo, sempre. Agora, as coisas precisam ser dimensionadas. As opiniões do Marcel merecem, sempre, ser levadas em consideração. Ele foi o atleta que mais atuou com a camisa da seleção (cerca de 400 jogos). É uma vida, e preciso levar isso em conta, por mais que nem sempre concorde com ele. Outra coisa é o Marquinhos (foto), que não tem nem 20 jogos com a mesma camisa, usar de uma argumentação em causa própria. Tanto que seus colegas foram contra o que ele falou. Todos viram que aquilo foi individualismo puro, advogado de causa própria mesmo.

>>> "Alguém deixaria de levar o Nenê, após o pedido dele para voltar à seleção?" (sobre condições físicas)

- Então nada do que ele falou é verdade? A história de os jogadores pedirem a palavra e falarem sobre carga tática...
- Todos sabem que sempre dei liberdade para meus atletas. Converse com Alex, Renato, os atletas do COC, e eles dirão o mesmo. Até a história do Nezinho foi contornada, mesmo sendo um caso estranho. O que aconteceu após a trágica derrota contra Porto Rico foi isso. Eles se reuniram, falaram e apararam algumas arestas internas. Em todo ambiente, seja ele corporativo, familiar, amoroso ou esportivo, isso acontece. Há conversas da comissão técnica que só ela participa; há reuniões entre ela e os atletas; e há reuniões só dos jogadores também. Isso é normal. Tenho 34 anos no basquete e isso sempre ocorreu. Quanto à interferência, isso jamais ocorreu.

- Mas o Nenê (foto) e o Splitter, líderes do grupo, não pediram mais jogadas de garrafão, por exemplo?
- Não houve absolutamente nada de errado. Algumas pessoas têm o direito de argumentar, pedir, sugerir situações. Mas eu decidia, evidentemente. Uma coisa que eles pediram, e que me parecia óbvia, é que jogássemos mais coletivamente, assim como o time do Pan-Americano atuou. Mas a diferença é que, para o Pan, houve cerca de 30 dias de treinamento...

- Mas, Lula, isso não foi um erro de planejamento?
- É uma situação difícil. Alguém deixaria de levar o Nenê, após o pedido dele para voltar à seleção? E, de fato, apenas o Leandrinho treinou por 10 dias. O Splitter e o Guilherme vinham de lesão, e treinaram por uma semana. Alex e Nenê, nem isso. Fora os problemas de liberação de atletas da NBA, que acabaram por nos prejudicar muito...

>>> "Não quero jogar a culpa nas costas da CBB, sinceramente"

- Mas a Argentina tinha os mesmos problemas físicos de alguns atletas (Delfino, por exemplo), além das questões de liberação (Delfino e Scola), e ainda assim treinou por dois meses.
- Sim, você tem razão, mas jamais poderíamos preterir uma competição em nossa casa [o Pan-Americano] – e a Argentina também quase perdeu para o Panamá na primeira fase, em jogo que poderia mudar completamente a configuração do campeonato. E também, repito, ninguém jamais deixaria de levar o Nenê a uma competição deste quilate.

- Sem comparar valores individuais, o Paulo Bassul (foto), na seleção feminina, cortou a Kelly porque ela não estava em sua melhor forma física. E outra: por que não houve acompanhamento da comissão técnica em relação ao estado físico dos atletas?
- Isso é correto, mas são outras circunstâncias. O Bassul sabia que era apenas uma vaga, e que o Pré-Olímpico Mundial tem mais vagas. Para nós, não. Tínhamos ido a Las Vegas para jogar uma partida (a semifinal que valeria vaga direta para Pequim). Infelizmente jogamos e perdemos. Além de tudo, não poderia deixar de convocar um pivô de origem, principalmente porque não contaríamos com o Varejão e com o Baby. E o Nenê melhorou muito ao longo da competição, nos ajudou muito e sofreu demais com a lesão na semifinal.

>>> "Essas pessoas que já passaram pelo cargo (de técnico da seleção) não transmitem a realidade. Isso é desonesto" (sobre as críticas)

- Você considera, então, que o planejamento foi bem feito?
- Quando repensamos as situações vemos falhas, é óbvio. Até os campeões precisam rever seus conceitos. Para o Mundial do ano anterior, jogamos muito e treinamos pouco. Agora, ao contrário, pois não tínhamos tempo. Mas não quero jogar a culpa nas costas da CBB, sinceramente. De verdade tínhamos um jogo para ganhar, e não ganhamos.

- E as críticas da imprensa, especializada ou não?
- Olha, eu posso admitir tudo, principalmente daqueles que acompanham e estudam a modalidade. O que não posso, mesmo, é ouvir coisas do tipo “ah, isso deveria ser feito”, sendo que estas pessoas sabem que isso é impossível no comando da seleção brasileira. Isso é desonesto, ao meu ver, essas pessoas que já passaram pelo cargo não transmitem a realidade.

- Você fala do Hélio Rubens (foto acima), certo?
- O Hélio Rubens já passou por lá...

- E agora, o que esperar do futuro? Está pronto para voltar?
- Eu preciso voltar a treinar alguma equipe. Não gosto de ficar parado e abdiquei de muitas coisas para ser técnico da seleção. Para você ter uma idéia, uma equipe me contatou no meio do Pré-Olímpico [o time de Uberlândia, que acabou contratando um treinador argentino posteriormente]. Mas até agora nada de concreto. Vamos ver no que dá.

- Você tem falado com o Chaim Zaher, diretor-geral do COC Ribeirão, não? O time vai voltar à ativa?
- É uma possibilidade...